De mão em mão, o orgulho da Letônia

Nessa época em que acontecem os Jogos Olímpicos de Inverno e há poucos meses da Copa do Mundo, é fácil vermos demonstrações de patriotismo e amor ao país, seja ele qual for.

Eventos esportivos costumam levantar - às vezes até de maneira exagerada - o orgulho de cidadãos dos mais diferentes lugares do planeta.

O difícil é continuar vendo todo esse amor à pátria depois que as competições terminam e os ânimos se acalmam.

Algumas semanas atrás eu pude ver pessoalmente o orgulho de todo um povo estampado no rosto de cerca de 15 mil pessoas em uma celebração que nada teve a ver com esporte e onde não havia adversário a ser derrotado.

No dia 18 de janeiro, Riga - capital da Letônia e uma das duas Capitais Europeias de Cultura em 2014 - inaugurou a sua nova biblioteca pública, a Biblioteca Nacional da Letônia. Até aí, nada demais, afinal várias bibliotecas são inauguradas ao redor do mundo todos os meses.

Riga 2014

Acontece que essa inauguração foi o principal evento de um final de semana em que a Letônia teve destaque em toda a Europa, algo que não acontece com muita frequência. Já que, além de pequeno (são apenas 2 milhões de habitantes), o país tem um triste histórico de invasões, guerras e ocupações que levaram a um cenário de pobreza e muita dificuldade econômica.

Soma-se a isso o fato da Letônia ser um país declarado independente há pouquíssimo tempo, apenas 23 anos. Ou seja, não faz muito tempo que os letões podem bater no peito e dizer que têm um país para se orgulhar e chamar de seu. Esse sentimento dos letos é realmente bonito de se ver e certamente será tema de um dos meus próximos posts sobre a minha viagem até Riga.

Mas voltando à inauguração da nova Biblioteca, esse novo e moderno prédio situado às margens do rio Daugava foi carregado de simbolismos desde a sua concepção. O principal e mais forte deles, é o fato de ficar a exatos 2014 metros da antiga Biblioteca. Desde que ela foi concebida, a ideia era justamente fazer a inauguração nos primeiros dias do ano que simbolizasse essa distância.

Riga 2014

E qual a melhor maneira de mostrar ao planeta a união e orgulho de um povo? Bom, eles pensaram que juntar 15 mil pessoas, lado a lado, formando uma fila que ligasse os dois prédios fosse uma boa maneira de fazer isso. O evento foi batizado de Chain of Booklovers - A Corrente dos Amantes de Livros - e eu posso dizer: eles acertaram, e MUITO!

O ato de colocar as pessoas lado a lado remete ao Baltic Way, um histórico evento acontecido em 23 de agosto de 1989, quando 2 milhões de pessoas fizeram uma impressionante fila por 600 quilômetros, ligando os três países Bálticos - Estônia, Letônia e Lituânia - que naquele momento eram Repúblicas Soviéticas e buscavam uma independência pacífica.

O que eu vi naquela manhã ensolarada e gelada de janeiro - fazia 12 graus negativos! - foram 15 mil rostos orgulhosos de fazer parte de algo tão importante em termos de afirmação da Letônia como um país independente, com fortes raízes culturais e com grande importância dentro do continente europeu.

Muitas crianças, muitos jovens, muitos velhinhos, muita gente fantasiada - me lembrei dos folclóricos corredores da nossa Corrida de São Silvestre - toparam ficar numa fila por mais de 5 horas transferindo dois mil livros, de mão em mão, do prédio antigo para o novo.

Riga 2014

Riga 2014

Riga 2014

Claro que essa transferência foi altamente simbólica, já que a imensa maioria dos títulos já havia sido acomodada na nova Biblioteca previamente, mas e daí? Todos ali, pegavam os livros e os levantavam com muito orgulho, mesmo que nunca o tivessem lido ou mesmo nem soubessem do que se tratava aquele título. Aliás, o primeiro livro a ser transportado foi uma edição da Bíblia de 1825 e o último, Balandnieki, que reúne contos da região de Alsunga, a oeste de Riga.

À medida que os livros iam chegando, a animação do povo aumentava e, com muita dança - a melhor maneira de se esquentar, segundo eles -, cada exemplar ia sendo orgulhosamente repassado ao vizinho de fila até que atingisse o seu destino final.

Quando a noite chegou e a corrente já havia terminado, foi bem legal de ver nos bares e restaurantes as pessoas conversando a respeito, mostrando as fotos e contando as histórias que vivenciaram naquele dia em que, um completo desconhecido ao seu lado virou um colega na afirmação da Letônia como uma nação que grita ao mundo que existe e é feliz de existir!

E eu, me senti muito feliz de ter estado lá, visto e feito parte desse dia tão bonito pra eles e pra mim!

Riga 2014


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O Viagem Criativa viajou à Riga a convite da organização de Riga 2014

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comentários

2 Responses

  1. Doris Guimaraes Stikan
    Que momento hstórico! Muita emoção envolvida, simbolismo e o muita cultura de um belo povo!
  2. cik skaista ir Latvija mana mamma vienumer atminejas un runaja par Smilteni
  3. […] começou já no sábado, depois da Chain of Booklovers. Vi que haveriam algumas exibições no Mercado Público de Riga, e decidir ir pra lá por volta da […]
  4. […] Riga organizou um grande show com esculturas de madeira que, ao serem incendiadas, formavam belíssimos desenhos na noite da capital leta. […]

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