Em Riga, com os letões: Parte II

Depois de um final de semana com diversos eventos que marcaram a coroação de Riga como Capital Europeia de Cultura, eu decidi ficar mais 4 dias na cidade. Sem nenhum evento marcado na minha agenda, poderia conhecer os pequenos detalhes - ou seja, a melhor parte! - da cidade sem ficar preocupado com horários e como chegar a um lugar X.

A única ideia era escolher uma direção, sair andando e depois de algumas horas escolher um bar pra tomar alguma cerveja local.

Pra quem chega de fora e não conhece nada de Riga - meu caso, obviamente! - é de certa forma inevitável começar o reconhecimento pela Cidade Velha. É uma parte bem pequena da cidade, mas que guarda praticamente toda a história da Letônia em suas pequenas ruas.

A porta de entrada da Cidade Velha é um prédio incrível, com uma imensa quantidade de detalhes chamado House of the Blackheads - A Casa dos Cabeças Negras -. O prédio começou a ser construído no século 14 e já passou por inúmeras reformas e intervenções, incluindo uma restauração completa em 1999. Dá pra ficar umas boas horas parado ali na frente, apenas observando e reparando em cada pedaço da construção.

Riga 2014

Originalmente, a House of the Blackheads era um ponto de encontro para os mercadores - principalmente alemães - que passavam por Riga no seu caminho para o leste. Ali, eles podiam comercializar o seus produtos e descansar antes de seguir viagem.

Hoje em dia, ele abriga o Centro de Informações Turísticas da cidade, o que me parece justo para um prédio tão bonito, antigo e com tanta história. E o legal dele ter essa função, é que qualquer um pode entrar no prédio e vê-lo por dentro - muito embora ele seja bem mais legal visto de fora! -.

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Riga 2014

Bem ao lado da House of the Blackheads fica o Museu da Ocupação da Letônia, dedicado a mostrar o que aconteceu por lá durante os mais de 50 anos - entre 1940 e 1991 - em que a União Soviética tomou conta de todo o país. É um período bastante complicado da história leta, que eles nem gostam muito de lembrar ou falar a respeito, mas que eles sabem que não pode ser esquecido jamais.

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Depois de algumas horas parado observando detalhes, a caminhada sem rumo continua por dentro da Cidade Velha.

Apesar de, fisicamente, essa parte de Riga ser bem pequena, pode-se levar vários dias até ver e conhecer tudo que existe lá. Isso porque a Cidade Velha é composta por inúmeras ruazinhas medievais, com calçamento de pedra e construções seculares que exalam história por todos os poros.

É bastante comum se perder ali dentro. Aconteceu comigo algumas vezes, mas não tem problema. Aliás, algo bastante comum é passar duas ou três vezes no mesmo lugar num curto espaço de tempo, porque as ruazinhas formam uma espécie de labirinto, sem necessariamente seguir alguma lógica de localização como conhecemos hoje.

Riga 2014

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Depois de algum tempo andando em círculos, vendo os mesmos prédios algumas vezes e com a sensação de estar perdido, de repente tudo muda. Uma grande praça aparece na frente, com casinhas antigas, vários cafés, bares, restaurantes e lojinhas de souvenirs.

Chega a ser engraçado ver tanto espaço aberto no meio de ruazinhas que chegam a ser claustrofóbicas, mas a verdade é que essas praças acrescentam ainda mais beleza nesse cenário medieval que envolve cada centímetro da Cidade Velha.

Riga 2014

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Tendo a House of the Blackheads como ponto de partida dessa passeio na Cidade Velha, o natural é que o ponto final seja o Parque Bastejkalns. Ele marca fisicamente a divisa entre a parte antiga e a mais moderna da cidade.

Trata-se de um simpático parquinho com algumas esculturas, playground e um canal - chamado Pilsetas - que estava congelado quando estive lá, no final de janeiro.

Vi muita gente praticando esportes e se exercitando por ali, mesmo com temperaturas congelantes. Mas é claro que, o impacto dessas temperaturas é bem menor pro pessoal de lá, que já está habituado a isso.

Riga 2014

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Anexo ao Parque Bastejkalns, ficam dois pontos de extrema importância para toda a Letônia.

A Ópera Nacional, um grande e imponente prédio que abriga concertos durante todo o ano e o Monumento à Liberdade.

Este último, é talvez o lugar mais importante da cidade de Riga. Construido em 1935 para celebrar a primeira independência da Letônia, ele só pôde ser admirado para esse propósito durante apenas 5 anos. Isso porque em 1940 o país foi novamente ocupado pelos soviéticos e permaneceu por mais de 50 anos sob controle da URSS.

A parte boa dessa história, é que esses mesmos soviéticos que invadiram a Letônia, acharam por bem manter o Monumento à Liberdade intacto, ao contrário do que fizeram com tantos outras construções por lá.

E em 1991, quando o país ficou independente de novo, o Monumento adquiriu um novo status, ao celebrar essa segunda liberdade.

No alto de um obelisco de 42 metros, fica a personagem Milda, uma espécie da Estátua da Liberdade leta. Ela carrega 3 estrelas, que simbolizam as três regiões do país.

Até hoje, diariamente, os moradores da cidade depositam flores nos pés da estátua, mesmo que não seja uma data comemorativa. Esse ato é apenas em respeito e memória a todos que morreram lutando pra que a tão sonhada independência chegasse novamente até a Letônia.

Riga 2014

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Terminada a expedição pela Cidade Velha, peguei o mapa de Riga para achar o próximo destino, enquanto tomava uma Mežpils - a melhor cerveja local que provei! - em um pequeno bar.

Vi que, cruzando a ponte, havia um Memorial à Vitória do Exército Soviético, que parecia ser algo bem grande. Confesso que achei um pouco estranho existir algo que enaltecesse quem tanto fez o povo letão sofrer, e talvez por isso mesmo minha curiosidade bateu ainda mais forte em ir até lá conhecer.

Cruzei uma das pontes sobre o Rio Daugava - a mesma ponte onde havia acontecido a Chain of Booklovers dias antes - e caminhei por cerca de 20 minutos até chegar ao memorial.

Devo confessar que sou um grande fã da estética soviética. Seus cartazes e monumentos sempre me conquistam e esperei um bom tempo até que pudesse ver de perto uma dessas obras. E esse dia chegou, lá em Riga.

O tal Memorial é uma versão reduzida de vários monumentos que eu havia visto em fotos até então. Fiquei ali uns bons minutos admirando os detalhes e a imponência daquilo tudo.

Um grande obelisco de 80 metros, cercado de duas grandes estátuas. Uma delas simbolizando a Mãe Rússia e a outra um momento durante uma guerra qualquer me deixaram de boca aberta.

Riga 2014

Mas e a origem disso tudo? Porque um povo que sofreu tanto nas mãos de outro, ainda mantém um memorial tão grande em seu território?

Com essas dúvidas martelando minha cabeça, fui até a sede do Memorial conversar com alguém que trabalhava ali, pra tentar entender.

É não é muito difícil. A história é a seguinte: Em 1985, no auge da ocupação e da Guerra Fria, os soviéticos ergueram os monumentos pra exaltar a vitória do exército soviético em cima dos alemães na Segunda Guerra Mundial.

Até aí, nada de errado. Afinal, a derrota dos nazistas é algo que deve ser comemorado por tudo e qualquer povo do planeta. Acontece que, como a construção aconteceu durante os anos em que a URSS manteve a Letônia oprimida, ele adquiriu uma conotação diferente daquela inicialmente proposta.

Até hoje, o Memorial é visto com maus olhos pela imensa maioria da população, que não guarda boas memórias da época em que ele foi concebido. Pra se ter uma idéia, em 1997 o Memorial foi duramente bombardeado por grupos nacionalistas letos, numa ação que terminou com duas pessoas mortas.

Mas enquanto os monumentos permanecem ali, não há muito o que ser feito pelos moradores. A parte boa disso tudo, é o imenso parque que existe ao redor das obras.

Muita gente usa a área para a prática de esportes de inverno. Existem duas grandes pistas de esqui e o lago - congelado! - vira uma quadra de hóquei no gelo.

Um grupo de garotos disputava uma animada partida bem abaixo do símbolo soviético, enquanto eu fazia algumas fotos do parque. Aproveitei pra sentar ali e assistir um pouco do jogo. Me pareceu algo bem semelhante às peladas futebolísticas que vemos todos os dias aqui no Brasil, e fiquei bem feliz de presenciar algo tão diferente do que estou acostumado.

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Faltava pouco pra escurecer. Comecei a caminhada de volta pra Cidade Velha, onde eu estava hospedado.

Durante o caminho, eu tentava imaginar como seria a vida de um povo e de um país que precisava lutar - literalmente! - pra ter sua identidade e sua cara reconhecida mundo a fora.

Foram décadas lutando contra um inimigo e só há pouco tempo que eles podem gritar e mostrar que existem, que são um povo e que se orgulham disso.

É um trabalho longo até que tudo isso aconteça, mas eu posso dizer com propriedade: eles estão fazendo isso muito bem!

E lá fui eu, tomar mais uma Mežpils, conversar com algum letão no bar e aprender ainda mais sobre eles.

Riga 2014

O Viagem Criativa viajou à Riga a convite da organização de Riga 2014

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comentários

1 Response

  1. Nossa, eu já tinha ouvido falar da beleza da House of the Blackheads! Realmente, é belíssima. Novamente devo falar das suas fotos, muito profissionais, muito legais. Consegui sair do meu mundinho por alguns minutos e viajar junto com vc. hehe. É bom saber um pouco da história de outros países e da experiência. Fico feliz que tenha sido um bom e proveitoso passeio. Até a próxima viagem.

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